Fonte: ICVS

 

Magda Castelhano-Carlos: “A transparência é importante para que o público entenda o nosso compromisso”

A transparência tem celebração marcada – 1 de julho -, mas constrói-se todos os dias. Magda Castelhano-Carlos é coordenadora do biotério da Escola de Medicina e também, desde abril, presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências em Animais de Laboratório. Conversámos com ela sobre o que é a transparência quando falamos de investigação em modelos animais e a sua importância para toda a comunidade.

Há três anos assinámos o acordo de transparência promovido pela EARA. Qual é a importância que estes acordos, e a transparência que daí advém, têm para criar comunidades mais transparentes, mas também mais responsáveis?

O acordo de transparência é importante no sentido de conseguirmos explicar melhor à comunidade o que fazemos em relação à experimentação animal. Porque na comunidade científica, há pessoas que precisam de recorrer ainda aos animais de laboratório, mas na generalidade conseguimos entender o que fazemos e porquê. E isso nem sempre é fácil de explicar ao público em geral, sobretudo quando falamos na utilização de modelos animais, um assunto sensível e eticamente discutido.

Aqui no ICVS da Escola de Medicina da Universidade do Minho também temos pessoas que fazem experimentação e que não necessitam de recorrer aos modelos animais, mas há determinadas fases, quando se estudam doenças, diagnóstico ou tratamento em que temos de realizar estudos em organismos inteiros e vivos, pela complexidade dos mecanismos envolvidos.

A transparência nestas situações é importante para nós também conseguirmos que o público entenda o nosso compromisso. Nós não fazemos experimentação animal porque sim, é uma necessidade e só o fazemos quando chegamos ao ponto em que ainda não existem alternativas viáveis para estudar aquela questão científica. Além disso todo a utilização de animais para fins científicos é altamente regulada e controlada, conforme previsto na legislação de proteção dos animais.

A transparência também acaba por trazer maior responsabilidade, por exemplo também tem havido uma diminuição no uso de animais na experimentação animal. Pode estar relacionado?

O acordo de transparência pode incentivar a essa responsabilização, mas de uma maneira geral quem faz experimentação animal já tem muita consciência. Ser “transparente” sobre o assunto contribui para o público conhecer melhor qual é a forma de fazer essa experimentação. Porque não se consegue avançar com experimentação animal sem ter um projeto aprovado, formação específica para trabalhar com animais de laboratório, e é nesse contexto que os investigadores e equipas de profissionais de biotérios aprendem,antes de começar a trabalhar, a cuidar e a ter essa responsabilidade.

A transparência entra aqui mais no sentido de promover a comunicação de forma aberta relativamente ao que fazemos, mais do que gerar consciência e responsabilidade interna – que na minha experiência já é bem presente em quem trabalha com modelos animais.

Um dos princípios que nos rege são os “3R deRussel e Burch”: substituir (replacement em inglês); reduzir (reduction em inglês); refinar (refinement em inglês). Ou seja, trabalhar sempre no sentido de usar o mínimo número de animais possível, e quando há alternativas nem sequer os usar. Quando temos que usar animais, estar em constant desenvolvimento e melhoria no sentido do refinamento dos procedimentos – e a evolução da ciência também acompanha isto. À medida que surgem melhores metodologias, mais refinadas, com procedimentos menos invasivos, desenvolvidos na área da ciência de animais de laboratório (além de investigar alternativas aos animais), também se reduz o eventual sofrimento dos animais e poderão ser usados em menor quantidade.

Continua a ser, ainda assim, necessário utilizar modelos animais. Não há como contornar ainda, não é?

Sim, ainda não temos para todos os casos uma substituição absoluta, uma alternativa completa. Nós temos alguns exemplos de pessoas que começam por abordar as suas questões científicas em ambiente de laboratório, in vitro, até chegarem ao ponto de testar em modelos completos.

Doenças neurodegenerativas, por exemplo, que afetem a capacidade motora ou outras capacidades, são muito complexas, e afetam o organismo em várias componentes não sendo possível de estudar numa única célula ou culturas celulares (ou até a nível de modelação informática).

Ainda assim, existem muitos estudos em culturas celulares que se podem fazer, em condições particulares, que até certo ponto podem ser usadas como alternativas mimetizando alguma componente do organismo. Existe atualmente uma grande aposta no desenvolvimento de modelos de “órgãos num chip” em que já se conseguem criar ambientes semelhantes a algumas componentes do corpo humano, numa escala microscópica, que permitem muitos estudos antes de se ter de passar a um organismo inteiro, vivo. 

Por último, a comunidade como um todo. Achas que a população tem tido uma maior compreensão do processo científico?

Creio que sim, tem havido uma evolução nesse sentido. Desde que foi assinado o acordo de transparência, muitas instituições têm feito mais campanhas para explicar o que fazem, dias abertos ou até reportagens, como aconteceu também aqui no ICVS com a divulgação de vários trabalhos científicos.

Na comunicação social também tem havido maior menção aos modelos animais utilizados, mesmo quem não concorda com o recurso a animais de laboratório tem uma opinião mais informada, com um foco nas soluções ou na procura de novas formas alternativas de estudos científicos.

O facto de se falar mais em ciência, com a pandemia de COVID-19, também levantou esta questão do uso de animais para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos, o que contribui para que o assunto esteja mais presente na sociedade.

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